Nesta entrevista, publicada na íntegra, o Superintendente Nacional de Previdência Complementar, José Maria Rabelo, fala sobre os desafios da pasta, destaca as peculiaridades do sistema brasileiro e reafirma a importância educação previdenciária: “Temos que pensar no futuro agora e pavimentar o caminho para chegarmos até lá mantendo a qualidade de vida, o poder de consumo e o acesso às questões fundamentais. É preciso começar desde já e, pouco a pouco, construir a qualidade desse futuro”.

FUNCEF – Quais os grandes desafios da Previc para fomentar e aprimorar a previdência complementar no Brasil?

José Maria Rabelo – O setor de previdência complementar fechada brasileiro está consolidado, sólido e fortalecido. Porém, ainda há muito espaço para crescer e evoluir. Assim, nosso maior desafio é propiciar as condições para esse aperfeiçoamento e, consequentemente, para o contínuo crescimento do setor. Criar e manter cenários que favoreçam a adesão de novos participantes e a criação de novos planos e entidades é uma meta que pauta não só nossas ações, mas de todos os atores do setor.

FUNCEF – Existem mudanças em estudo? Quais?

JMR- A necessidade de aprimoramento é constante, porém não há previsão de grandes mudanças. Todo aparato normativo e legal que ampara a Previdência Complementar está consolidado e alinhado com as orientações internacionais. O que pode ser feito, neste momento, é uma revisão de alguns itens da regulamentação do setor, mas sempre primando pela segurança dos direitos dos participantes e assistidos. O aperfeiçoamento e a modernização são movimentos naturais e que convergem para uma busca constante pela melhoria na governança dos fundos, pelo gerenciamento de riscos, pelo desenvolvimento e manutenção de um ambiente que propicie um crescimento sustentável, e, principalmente, pela excelência na fiscalização e supervisão.

FUNCEF – Como o senhor avalia a evolução da governança dos fundos de pensão brasileiros?

JMR- O sistema, na última década, passou por um intenso processo de fortalecimento de sua legislação e regulamentação por meio, principalmente, das Leis Complementares nºs 108 e 109, de 2001. Com essas normatizações, veio a necessidade de profissionalização dos conselheiros e dirigentes dos fundos de pensão, o que, sem dúvida, é extremamente positivo para o setor. Além disso, a Supervisão Baseada em Risco exige que o processo de governança seja rigoroso para ser capaz de detectar, mitigar e prevenir os riscos a que a entidade está sujeita.

FUNCEF – O que deve ser priorizado na política de gestão e supervisão de riscos dos fundos de pensão?

JMR- A gestão e supervisão de riscos têm o objetivo de prever e adotar defesas quanto às adversidades e as possibilidades que podem gerar algum tipo de prejuízo à entidade, e consequentemente, a seus participantes e assistidos. Assim, contar com profissionais preparados, aptos a analisar as oportunidades e ameaças do mercado, é primordial para que a entidade minimize sua exposição aos riscos, garantindo as reservas para o pagamento dos benefícios.

FUNCEF – Quais os principais riscos que o aumento da longevidade apresenta aos planos de previdência? Quais as alternativas para esse impasse?

JMR- Em primeiro lugar, é preciso ficar claro que o aumento da longevidade é um sinal auspicioso para a sociedade em geral, e não seria diferente em nosso sistema. É claro que esse fator traz desafios críticos para a gestão das entidades, sob a perspectiva de garantia de direitos por um período maior de tempo. A consequência é a necessidade de maior capitalização, especialmente nos planos de benefício definido. Os riscos, porém, existem em qualquer atividade e isso não ocorre diferente com os  fundos de pensão.  Esses riscos devem ser constantemente monitorados pela própria entidade e pelo trabalho de supervisão e fiscalização da Previc, com o objetivo de garantir a segurança aos participantes e assistidos. Todas as entidades devem enviar à Previc relatórios atuariais, de investimentos, etc., além de sua disponibilização para participantes e assistidos, demonstrando que o plano está saudável e aderente às premissas atuariais, financeiras e contábeis. Quando isso não acontece, a Previc possui mecanismos que obrigam as entidades a se adequar e resolver qualquer problema existente.

FUNCEF  – O passivo judicial das entidades preocupa a Previc?

JMR – Entendemos como um caminho institucional natural o uso do poder judiciário para solução de impasses de natureza jurídica, não nos cabendo fazer qualquer oposição à tomada dessa decisão. De toda forma, consideramos que, a partir de determinado ponto, a judicialização dos assuntos – que teriam solução evidente no âmbito administrativo – traz uma sensação de insegurança que não é benéfica nem para participantes, nem para as entidades. A Previc não está alheia a esses processos e os acompanha com olhos de supervisor. Quando entendemos que determinado assunto representa interesse geral ou risco sistêmico, também temos os caminhos institucionais a seguir, o que passa a ser um dever do Estado. Nossa vocação, todavia, é no sentido de contribuir para evitar o conflito judicial, via diálogo permanente e exercício do convencimento e da conciliação. Sabemos que conflitos que se perpetuam na justiça tendem a não atender ao interesse de qualquer das partes.

FUNCEF – Qual a importância da educação previdenciária nesse processo?

JMR- A educação previdenciária não é só importante em um determinado processo ou situação. Ela é fundamental para todos os cidadãos, integrante ou não de um fundo de pensão. Um cidadão educado financeiramente e ciente da necessidade de uma previdência privada para seu futuro é capaz de se planejar, de fazer escolhas maduras e conscientes, de aplicar adequadamente seu dinheiro, etc. Um participante de fundo de pensão que possui conhecimentos adequados sobre o tema atua como um fiscalizador do seu próprio plano, que para ele é um investimento essencial. Esse participante é capaz de interpretar os relatórios, de acompanhar as aplicações e, portanto, de cobrar dos dirigentes e conselheiros quanto às decisões tomadas por eles.

FUNCEF – Em setembro, a FUNCEF recebeu a visita de uma delegação francesa do Instituto de Previdência Coletiva (IPC) que veio conhecer a experiência brasileira no setor de previdência. Na troca de experiências com outros países, o que o Brasil tem a aprender e ensinar?

JMR– Li a notícia quanto à visita, o que me deu orgulho e entusiasmo. Apresento à FUNCEF os cumprimentos pela proveitosa agenda proporcionada aos visitantes. O Brasil possui um dos sistemas mais antigos de previdência complementar, dentre os países da América Latina. As primeiras leis brasileiras foram publicadas em 1977 e alguns fundos de pensão já existem há aproximadamente 100 anos.  Atualmente, a Previc participa, regularmente, das discussões realizadas no âmbito do Grupo de Trabalho sobre Previdência Privada da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e da Organização Internacional de Supervisores de Pensão, com o intuito de aperfeiçoar os mecanismos de fiscalização dos fundos, buscando – nas diretrizes estabelecidas pelas Organizações e pelos países membros – as melhores práticas na área de governança das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPCs), no desenvolvimento de ferramentas e metodologias de supervisão, dentre outros.

Observamos, a partir desse estreitamento com a comunidade internacional, que há um grande interesse em torno do Sistema Previdenciário do nosso País, principalmente pelo seu formato. O sistema previdenciário brasileiro se difere dos sistemas de alguns outros países, onde a previdência oficial foi reestruturada, instituindo-se uma previdência complementar compulsória.

No Brasil, o sistema é híbrido e a previdência complementar é estimulada e constituída por fundos de pensão sem fins lucrativos. Apesar de o vínculo às EFPCs ser facultativo, a poupança previdenciária complementar fechada no Brasil chega a valores próximos de 20% do PIB, o que coloca o país como maior sistema de previdência complementar da América Latina e um dos dez maiores do mundo.

FUNCEF – Os fundos de pensão estão preparados para enfrentar uma gradual baixa das taxas de juros?

JMR–  Os fundos de pensão, bem como a Previc, estão constantemente monitorando os riscos e as tendências existentes no mercado e na economia, que poderão impactar financeiramente as entidades. Uma das ações praticadas pelas entidades para proteger o patrimônio dos fundos é a adequação do perfil de investimento e a diversificação das alocações dos recursos, com objetivo de se adaptarem a essa realidade, para que se assegure o cumprimento das obrigações perante participantes e assistidos. A queda da taxa de juros, a exemplo do aumento da longevidade, já tratada nesta entrevista, representa um fator positivo para a economia brasileira, trazendo, todavia, o requerimento de reforço adicional na gestão dos planos de benefício, pois seu impacto em termos de reservas requeridas é bastante significativo. Acompanhamos de perto o tema e entendemos que, no geral, as entidades estão conscientes e se preparando bem para a transição para essa nova realidade econômica no Brasil. Eventuais necessidades pontuais de ajuste, se identificadas pela Previc, serão tratadas na hora e na forma adequadas, com o objetivo, fundamental, de garantir o equilíbrio dos planos de benefício.

FUNCEF – Qual o futuro que o senhor vislumbra para a previdência complementar brasileira?

JMR– Um futuro de conquistas, aprimoramento e crescimento. O setor está fortalecido e bem estruturado e, cada vez mais, em destaque na agenda governamental e em evidência nas grandes empresas. Com profissionais tecnicamente qualificados, e com um arcabouço normativo e legal alinhado às práticas internacionais, não há dúvidas de que o único caminho é o da inovação e da prosperidade.

FUNCEF – Que mensagem o senhor deixa para os empregados da CAIXA que ainda não se associaram à FUNCEF?

JMR– Eu pediria licença para terminar num tom mais informal e usar minha experiência pessoal. Em 1975, ao tomar posse em meu emprego (que duraria 34 anos) assinei, sem nenhuma consciência disso, a inscrição no fundo de pensão de minha empresa. Essa adesão me permite hoje ser um dos milhares de assistidos daquele fundo. Sou muito grato às pessoas que me “convenceram” da importância daquele gesto. Sei, também por vivência própria e familiar, que não é muito natural ao jovem, quando ingressa no mercado de trabalho, preocupar-se com a aposentadoria, algo que parece extremamente distante. De fato, é um pouco distante, mas isso só ajuda.

Temos que pensar no futuro agora e pavimentar o caminho para chegarmos até lá, mantendo a qualidade de vida, o poder de consumo, o acesso às questões fundamentais ou que nos sejam importantes. Não dá para fazer isso de um dia para o outro.  É preciso começar desde já e, pouco a pouco, construir a qualidade desse futuro. Isso ninguém faz isso por nós. A empresa ajuda, mas o principal interessado é o próprio profissional. Portanto, se você está “devendo” sua inscrição à FUNCEF, peço-lhe que reflita bastante e decida, com convicção e liberdade de consciência. Quem sabe, daqui a algumas décadas, você possa se lembrar disso e guardar alguma gratidão quanto a esse “empurrãozinho” .  (Funcef/AssPreviSite)